quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Bram Stoker Pertenceu à Golden Dawn?


por Shirlei Massapust.
Hoje é lugar comum dizer que «Stoker pertencia à famosa ordem secreta da Golden Dawn (Aurora Dourada), em companhia de escritores fantásticos como Arthur Machen e Algernon Blackwood.» Tal afirmação, retirada da introdução de uma coletânea de quadrinhos de Drácula da década de 70, deriva de uma teoria sustentada por diversos estudiosos de vampirismo. Contudo, nem todos estão de acordo. Não há registros conhecidos de obras ou anotações pessoais de Stoker mencionando o nome da ordem, da mesma forma que parece não haver também testemunhos de membros sobre a filiação de Stoker. Segundo Carlos Raposo, «o melhor e mais confiável documento a respeito da historia da GD é o The Magicians of the GD, por Ellic Howe [que não cita o nome de Stoker]. Tudo indica que esse boato sobre a suposta participação dele nessa Ordem tenha vindo do best-seller O Despertar dos Magos, da dupla Bergier e Pauwels, onde eles afirmam isso, sem citar fonte alguma.» (Mail para a Illuminati, 1997).

Na palavra de Pauwels e Bergier, «Arthur Machen tomara o nome de Filus Aquarti. Havia uma mulher filiada na Golden Dawn: Florence Farr, diretora de teatro e amiga íntima de Bernard Shah. Ali se encontravam também os escritores Blackwood, Stoker, o autor de Drácula, e Sax Rohmer, assim como Peck, o astrônomo real da Escócia, o célebre engenheiro Allan Bennett e Sir Gerald Kelly, presidente da Academia Real. Segundo parece, esses espíritos de elite foram marcados de forma indelével pela Golden Dawn. Como eles próprios confessaram, a visão que tinham do mundo foi alterada e as práticas às quais se entregaram não deixaram de lhes parecer eficazes e exaltantes.»
Em que a dupla poderia basear-se para afirmar tal coisa? Teriam acatado como provas de sua filiação a semelhança de alguns escritos de Stoker com os ritos da ordem comparando, por exemplo, Drácula com a acusação de Crowley sobre a prática de vampirismo na GD (De Arte Magica, XVIII)? Ou teriam tido acesso a documentos desconhecidos mesmo para altos membros de ordens derivadas, como a OTO e AA?
O seguinte texto – adaptado da introdução de Tony Faivre da tradução francesa de outra obra de Stoker, Le Repaire du ver Blanc, – parece simplesmente confiar em Pauwels e Bergier, partindo para analogias entre as obras de Stoker e a Aurora Dourada. Para ser lido com a devida reserva, não deixa de ser interessante e bem trabalhado.
O Mostro Branco
(Introdução)
Todo o mundo conhece Drácula, mas se conhece menos ou se desconhece completamente seu autor, Bram Stoker. A literatura fantástica é de tal modo ingrata que destrói os autores em proveito de suas obras. Stoker faz parte desses escritores sobre quem nada se sabia até recentemente; mal e mal, a data de seu nascimento e a de sua morte, inteiramente eclipsado por seus personagens e pelos sonhos que forjaram. Que há de espantoso nisso? O sonho de Bram Stoker não se chama Drácula?
Portanto, tratar-se-á aqui muito menos de Drácula que do seu autor e de alguns pontos de referência sobre sua vida e seu último livro, The Lair of the White Worm (o covil do verme branco).
Este livro foi escrito em 1911 por Bram Stoker, nascido em 1847 e falecido em 1912; lembremos que Drácula apareceu em 1897. Se se acrescentar que Frankenstein surgiu em 1818, o Doutor Jekyll e Mr Hyde (O médico e o monstro), em 1886 e que a sociedade secreta iniciadora da Golden Dawn in the Outer foi criada em 1887, nada mais nos resta se não indicar a data do aparecimento de Carmilla, de Sheridan le Fanu: 1887, e assim terminar essas referências históricas e falar um pouco de Bram Stoker.
Harry Ludlam em seu livro nos conta que Bram Stoker passou os oito primeiros anos de sua vida, encerrado, enfermo, num quarto, como se fora votado à morte. Contudo sobreviveu e saiu de seus sonhos, leituras e estórias, provindos de sua mãe, apaixonada pelo fantástico. E, coisa curiosa, tornou-se um homem de grande estatura, ruivo e barbudo, dotado duma força e duma vitalidade, irlandesas certamente, que jamais se poderia vaticinar ao pequeno enfermo, nem descobrir entre as linhas de Drácula.
Essa vitalidade permitiu a Stoker exercer várias atividades (contador, de dia; jornalista,
cronista de teatro, à noite); depois, em 1878, dedicou-se à administração do Lyceum Theatre, de Londres, do grande ator Henry Irving, por quem tinha, há longo tempo, grande admiração. Essa colaboração durou mais de trinta anos. Sua energia o leva a escrever com paixão um ensaio intitulado Sensationalism in fiction and society e, um pouco mais tarde, um livro sobre a administração irlandesa, The Dutie of clerks of petty sessions in Ireland! Porém seu trabalho com Henry Irving o põe em contato com a sociedade inglesa ou certa sociedade londrina, apaixonada pelo sobrenatural. Além disso ele sempre teve gosto pelo fantástico. Nesse fim de século, tudo é possível. Assim é que Stoker pôde encontrar em Londres “vampires personalites” ou “os sugadores de sangue” (?), cujas características permanecem contudo muito vagas. Assim filia-se também ele à sociedade mágica da Golden Dawn cuja história Pierre Victor escreveu com detalhes. E nós registramos, com espanto, a presença, ao lado de Stoker, de outros escritores tais como Willian B. Yats, Arthur Machen, Algernon Blackwood e Sax Rohmer, especialmente. Essa ordem iniciadora baseada em conhecimentos ocultos, e em práticas de magias reais, influenciou certamente tais escritores. E Drácula apareceu como uma narrativa iniciadora ao mesmo título que le Grand Dieu Pan de Machen ou os Fu-Manchu de Sax Rohmer. Zomba-se freqüentemente de tais sociedades, de tais experiências e é necessário destacar aqui sua existência; sua influência é importante, tanto sobre as obras (fantásticas ou não) como sobre a própria vida dos seres e dos povos. (é suficiente estudar a sociedade alemã a partir de 1918). O racional e o irracional estão intimamente ligados, as distinções são muito artificiais. Será mister recordar-se de Conan Doyle, no fim de sua vida, fã do espiritismo? E Samuel L. Mathers, um dos três fundadores da Golden dawn, não era o esposo da irmã de Henri Bérgson? E porque não falar do próprio Bérgson?
Mas chega de exemplos. No que concerne a Bram Stoker parece que até 1897 (data do aparecimento do Drácula), nosso autor somente escrevia nos momentos de folga ou de “férias”, repousando na costa escocesa, principalmente em Crugen Bay, lugar que o fascinava. Depois o sucesso de Drácula (sobre o qual não falaremos mais, enviando o leitor ao prefácio de Tony Faivre) coincide com as primeiras dificuldades de Stoker com Henri Bérgson, as quais levarão Bram a se entregar mais e mais somente à atividade literária.
Drácula é o ponto central de sua obra, evidentemente; os outros livros são peças “anexas” que completam a visão do conjunto. Nem tudo é de inspiração fantasmagórica, como The Mann (1905) ou, por vezes apresenta curiosa mistura de fantástico e de aventuras modernas; assim, The Lady of the shroud (1909) nos mostra a aparição de uma jovem, à noite, vestida de uma mortalha, morta ou vampiro, e, pouco depois, a evolução de uma esquadrilha de aviões que repele uma invasão num país balcânico. A inspiração de Stoker parece funcionar a jatos intermitentes, mas infelizmente não com muita freqüência. O estilo e a pureza de Drácula parecem perdidos para sempre, embora os temas permaneçam. Assim The Mystery of the sea (1902) ou The Jewel of the seven stars (1903), que narra a ressurreição de uma rainha do Egito, cinco mil anos mais tarde, possui o Dom da evocação da Antigüidade. Mas tudo se desenrola como se, a partir de Drácula, o pensamento de Stoker, se interiorizasse, não se entregando ao leitor, apenas de vez em quando. Seus livros apresentam intuições brilhantes, mas não desenvolvidas. Negligência ou vontade de Stoker? The lair of the wite worm parece responder por ele.
Esse livro, escrito em 1911, um ano antes de sua morte, esclarece retrospectivamente a obra e a vida de Stoker. Se ele retoma a técnica de narração de Drácula, conforme vários pontos de vista, observado no diário íntimo dos principais personagens (Drácula conserva sempre seu mistério, dado que sempre indiretamente aproximado), o Repaire du ver blanc não alcança a síntese final que faz a grandeza de Drácula. Ao contrário, cada capítulo parece isolado um do outro, cada personagem, encerrado em sua história, não encontrando jamais, nem por acaso, os outros. Em resumo, há no contexto, quatro ou cinco histórias que, desenvolvidas, poderiam muito bem transformar-se em quatro ou cinco romances, completamente diferentes. Os personagens tem uma história pessoal, um passado e um fim a atingir, que é sobretudo individual. Drácula reunia várias pessoas para uma ação comum: destruir Drácula. O Repaire du ver blanc mostra vários indivíduos, unidos no início, que se separam, pouco a pouco, em diversas direções e com fins opostos. Cada um é enviado à sua solidão e à sua morte. Somente o jovem casal sobrevive, salvo pelo seu amor e sua energia. Não há inter-relação de personagens, mas ação separada. Esse fechamento sutil, não aparente à primeira vista, é sem dúvida um dos interesses deste livro que, de alguma maneira, sugere vários temas do fantástico. Cada tema é, sempre, apenas sugerido, para, imediatamente, ser seguido e substituído por um outro que o absorve. Dessa maneira se apresenta o tema dos pássaros e do silêncio dos campos; a presença do9 papagaio de papel e a sombra de Mesmer; os conflitos e os passes magnéticos; o personagem de Oolanga, a coleção de objetos fantásticos e, por fim, o tema da serpente e da mulher-demônio, que se desdobra com o da sobrevivência do grande mostro pré-histórico. Mas cada tema é isolado dos outros, tratando diferentemente, precisamente esboçado.
Divaga-se bastante sobre o tema do monstro, desse gênio do mal, que procura destruir os outros, sobre aquele da luta das trevas e da luz, do bem contra o mal (o personagem de Oolanga é uma encarnação espantosa da maldade, além de um racismo aparente). A primeira confusão da narrativa resulta do fato de que tudo é apresentado sobre o mesmo plano, sem distinção, o que pode enganar o leitor não avisado. Passamos agora de considerações históricas às reflexões sobre o Verme branco, quer reflexões morais, quer físicas, para terminar sobre o envio de “mensageiros” a um papagaio que se torna cada vez mais maléfico.
E tudo só se resolve no último instante, no momento de horror final, no fogo e na explosão da dinamite em que a eletricidade da tormenta desempenha papel importante. Pouco antes, Lady Arabella suportara sua última transformação, em vampiro erótico e feroz, antes de se tornar, por uma derradeira vez, no grande verme branco.
Bram Stoker sabe evocar com tanta força como Machem esse mundo pagão, do Mal, da antiguidade; os vestígios da conquista romana são tão evocativos, os símbolos são tão fortes. A sobrevivência do passado é monstruosa, porque ela apaga a noção do tempo, e então tudo é possível e se torna um pesadelo. A narração é certamente uma iniciação, visto que é a história de uma luta e de uma vitória sobre as trevas. Depois surge a luz, as últimas páginas evocam aurora radiosa, sem as nuvens portadoras de angústia.
Nos últimos anos de sua vida, Bram Stoker abateu-se com a tenaz enfermidade a que escapara por tão longo tempo. As dificuldades financeiras se tornaram oprimentes, perturbando sua velhice. Não há dúvidas que Bram desejou, pela última vez, recontar a história eterna da vitória do espírito sobre o mundo. Ele tem certeza disso; ele é um “iniciado”. Ao leitor cabe curar sua pista através das diversas estórias dos livros, e assim continuá-las e termina-las. A serenidade que transparece nas derradeiras linhas mostram bem que Stoker atingira seu fim, Drácula aí acabara de morrer e de ressuscitar do meio das trevas. Harry Ludlum escrevia: “Há um profundo mistério entre as linhas desta obra (The Lair of the White Worm)… o mistério do espírito do homem que as redigiu…”
Com efeito, devemos saber ler as linhas para descobrir o pavor sugerido e combate-lo, para chegar à “Golden Dawn” (aurora dourada) que Stoker procurara atingir. “La fête du sang” (festa do sangue ― sub-título de um livro de Thomas Preskett Prest), celebrada por Drácula, o “príncipe das trevas”, encarnação terrível do Mar, deve ela dar lugar a uma ascese mais espiritual? Para Stoker, assemelham-se os dois caminhos: é mister ir até o fim do terror e enfrenta-lo. A literatura fantástica proclama a liberdade do homem, mesmo no mal, para a escolha da ação. Todos os personagens de Stoker são positivos (embora em graus diversos) porque eles agem. A inação é a morte, a tomada de posse por “outra coisa”. Ora, não se pode compreender o mundo, a não ser que seja ele “impelido” por uma ação, seja mágica, seja religiosa, sonhada ou literária. Sabido é que Bram Stoker pretendia que Drácula lhe fora inspirado por um pesadelo, provocado por uma indigestão! Assim o mundo parte do sonho e ao sonho retorna, tomando às vezes, a forma de um pesadelo. Stoker esforçou-se por conservá-lo para melhor entender e procurar explica-lo. Sua obra é sua resposta, a nós toca apenas ler.
Texto extraído de:
FAIVRE, Tony (?). Introdução a Le Repaire du ver Blanc. Tradução e revisão de João Evangelista Franco. In: STOKER, Bram. O Monstro Branco. Global. P. 7-12.

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